ENTENDA COMO OS CRÉDITOS DE CARBONO AFETAM AS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS DE UMA EMPRESA

Tema em voga no momento, as práticas ESG (principalmente aquelas voltadas ao meio ambiente) tem chamado a atenção de governos, empresas, investidores, credores, e do público em geral.

Governos, por exemplo, se preocupam em regulamentar ações que visem a diminuição dos gases de efeito estufa (GEE) gerados pelas empresas (principalmente aquelas com atividades operacionais mais poluentes). Algumas empresas, por sua vez, precisam cumprir essas regulações. Outras empresas, adotando uma postura pro ativa, lançaram metas voluntárias de GEE para os próximos exercícios. Investidores querem entender os impactos dessas medidas no valuation das empresas. Credores já lançaram empréstimos ESG, onde a empresa paga mais ou menos juros com base no atingimento ou não de metas ambientais. Por fim, o público em geral, ainda que de forma bastante restrita, começa a colocar lentamente as práticas ambientais como um dos critérios para comprar ou repudiar um produto.

É nesse contexto tanto regulatório quanto voluntário que surgiu os chamados créditos de carbono. Uma empresa engajada (forçosamente ou voluntariamente) pode tanto gerá-los internamente, quanto comprá-los. Por exemplo: uma empresa que implemente projetos, equipamentos e outras ações que reduzem sua emissão de GEE gera crédito de carbono. Já uma empresa que não consegue atingir a meta de redução, precisa comprar esses créditos para efetuar compensação. Importante ressaltar que um crédito de carbono somente é válido para negociação após a devida certificação por entidades autorizadas pelo poder público (quando reguladas), ou por entidades com reputação aceita nos mercados (nos casos voluntários).

Se o crédito de carbono é instrumento jurídico negociável, consequentemente as empresas pagam ou recebem quando de sua comercialização. Se caixa sai ou entra numa empresa, isso implica que uma contabilização é necessária. E como contabilizar créditos de carbono?

Atualmente, existe diversidade na prática. Visando reduzir ao máximo possível essa diversidade, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) colocou em audiência pública recentemente uma orientação sobre o tema, denominado OCPC 10 – Créditos de Descarbonização.

Basicamente, a Orientação identifica três possíveis tipos de empresas que lidam com créditos de carbono:

a) Originadoras – empresas que cumprem as metas regulatórias ou voluntárias assumidas e geram créditos de carbono para posterior venda ao mercado;

b) Intermediadoras – empresas que desenvolvem atividades típicas de broaker-trader. Elas compram e vendem ativamente os créditos de carbono (igual um broaker-trader de commodities); e

c) Usuário final – empresas que compram os créditos de carbono para neutralizarem suas emissões de GEE. Com essas empresas, os créditos de carbono são extintos mediante sua utilização para compensações. O CPC denomina essa extinção como “aposentação”.

A contabilização dos créditos de carbono vai depender diretamente da classificação da empresa entre as alternativas (a) e (c) apresentadas acima. Vamos repassar abaixo cada situação:

Originadoras

Como o próprio nome diz, as empresas nessa classificação originam seu próprio crédito. Entende-se que esse crédito de carbono é um ativo, pois ele está sob controle da empresa e possui potencial de gerar benefícios econômicos para a empresa, representado pela venda. Portanto, no momento de geração do crédito (por exemplo, no momento do processo de produção, onde os equipamentos e mão de obra específicas para reduzir as emissões de GEE), os custos diretamente associados a essa geração (seguindo ainda o exemplo, a depreciação dos equipamentos, a mão de obra alocada, eventuais insumos utilizados para essa finalidade), passam a constituir o valor inicial do ativo. Os próprios gastos de certificação dos créditos, se materiais, também devem ser considerados no valor inicial do ativo. Ou seja, num primeiro momento o resultado da empresa é beneficiado pela capitalização desses custos.

E como seria classificado esse ativo? Ativo financeiro, intangível ou estoques? Os créditos de carbono não se enquadram na definição de ativo financeiro previsto no CPC 39. Embora se  enquadrem conceitualmente como ativo intangível, o CPC 04 (R1) – Ativo Intangível, exclui de seu escopo ativos intangíveis mantidos para venda no curso normal dos negócios, que é justamente o caso dos créditos de carbono. Portanto, a Orientação estabelece que a classificação desse ativo deve ser como estoques. Logo, a mensuração subsequente segue a mesma lógica dos estoques (custo ou valor realizável líquido, dos dois o menor). Ao fazer a análise do valor realizável líquido, a empresa deve avaliar o valor de mercado desses créditos de carbono (sempre há um mercado de balcão ou regulado onde se consegue a cotação do crédito).

Ao efetuar a venda, um ganho é apurado no resultado do exercício. Supõe-se que não haveria perda por conta da provisão para redução ao valor realizável líquido.

Intermediadoras

Para essas empresas, a classificação também é como estoques. A diferença em relação às originadoras ocorre na mensuração inicial e subsequente desses estoques. Enquanto na originadora o custo inicial é formado internamente, nas intermediadoras ele é representado pelo preço pago na data de aquisição do crédito de carbono (que numa situação normal de transação entre partes independentes representa na essência seu valor de mercado na data inicial).

Mas é na mensuração subsequente que ocorre a principal diferença. As empresas originadoras mantêm o custo original de formação intacto enquanto não ocorre a venda do crédito de carbono (salvo eventualmente pela necessidade de uma provisão para perdas por realização). Ou seja, não há volatilidade no resultado do exercício enquanto os créditos estiverem em estoques. Para as intermediadoras, a Orientação entende que essas empresas devem ser consideradas como o equivalente a comerciantes de commodities. O CPC 16, que trata de estoques, determina que empresas comerciantes de commodities devem avaliar seus estoques subsequentemente a valor justo. Ou seja, a cada fechamento contábil, as intermediadoras deverão avaliar seus estoques de crédito de carbono a valor de mercado. Portanto, diferentemente das originadoras, o resultado do exercício das intermediadoras sofrerá toda a volatilidade positiva ou negativa decorrente da flutuação do valor justo dos créditos de carbono. Essa volatilidade somente será encerrada somente no momento final da venda desse ativo. Devido à marcação a mercado dos créditos, espera-se que na sua venda não haja ganho ou perda relevante na baixa.

Usuário final

Como dito anteriormente, o usuário final é aquele que vai extinguir esse crédito, pois vai efetivamente utilizá-lo para neutralizar suas emissões de GEE. É o que a Orientação chama de aposentação.

Para neutralizar suas emissões, o usuário final pode tanto comprar os créditos quanto gerar internamente esses créditos (nota-se, consequentemente, que o originador e usuário final podem ser a mesma empresa).

Se o crédito de carbono foi gerado internamente, a contabilização inicial e subsequente segue o mesmo modelo proposto para os originadores. Se o crédito foi adquirido de terceiros, então deverá ser mensurado pelo preço de compra pago. Mas, diferentemente das empresas intermediadoras, a empresa usuária final não deverá marcar esse ativo a mercado a cada fechamento. E faz todo sentido: as intermediadoras vão vender esse ativo como traders. Já as empresas usuárias finais vão consumir internamente esse ativo.

Nas empresas usuárias finais, há uma outra discussão relevante que se refere ao provisionamento da parcela não cumprida das metas de redução de emissões. Essa provisão visa justamente mensurar o quanto a empresa precisa gerar ou comprar de créditos de carbono. Há que se avaliar se a empresa possui efetivamente uma obrigação legal ou não formalizada de comprar esses créditos antes de se efetuar a provisão. Mas aqui já é uma outra discussão, que abordaremos num artigo específico.

Como dito anteriormente, essa contabilização proposta para os créditos de carbono ainda está em audiência pública no CPC, sendo que o prazo para comentários se encerra em 20 de outubro de 2023. Portanto, se sua empresa concorda ou discorda dessa contabilização proposta, ou possui outras sugestões especificas, esse é o momento. Os comentários podem ser feitos por pessoas físicas, empresas, órgãos de classe ou outras entidades.

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